Palavras de Vida Eterna


quinta-feira, 20 de junho de 2019

Realidade Espiritual e Aparência Natural

No cenário bíblico podemos perceber a existência de duas dimensões que, para efeitos didáticos, vamos chamá-las de Realidade Espiritual e Aparência Natural. Elas emergem desde o encontro de Satanás com Eva e são representadas pelas duas árvores discriminadas como da vida e a do fruto do conhecimento do bem e do mal.

Após ceder à tentação, Eva e Adão são como transportados de uma dimensão para outra. Deus não planejava deixá-los sem conhecimento, mas iria fazer isso via árvore da vida, baseado na verdade. No entanto, a busca pelo conhecimento passou, desde então, a se dar levando em conta a aparência natural, de acordo com a mentira de Satanás.

Na dimensão da aparência natural, Satanás encontra condições para agir, baseando toda sua estratégia exclusivamente sobre a mentira, que é própria de sua natureza. Como ele não dispõe de nenhuma verdade, só lhe resta maquiar a mentira para dar-lhe a aparência de verdade. Ele procurará por todos os meios nos manter cativos a esta dimensão da aparência natural, até misturando um pouco de verdade à mentira com o intuito de apresentá-la como verdade pura. Seu objetivo é alcançado à medida que damos crédito aos seus enganos.

Já a verdade está na dimensão da realidade espiritual desde a sua base. É plenamente sólida e confiável. Contudo, devido ao pecado, seu acesso está vedado, só podendo ser alcançado por meio da fé que nos liberta mediante o conhecimento revelado dessa verdade.

Logo, de maneira geral, Satanás se esforça para impedir que usemos a fé; e, de maneira específica, para impedir nosso acesso à realidade espiritual, pois isso o desmascará completamente, escancarando seus ardis e disfarces e nos libertando completamente de suas garras. Ele não se importa tanto com que uma pessoa creia a ponto de receber uma cura física, desde que isso não implique a descoberta da realidade espiritual.

Quando o povo de Israel chegou à divisa da Terra Prometida, travou-se uma imensa batalha quase imperceptível aos olhos naturais, pois estas duas dimensões estavam em conflito no coração dos hebreus. Uma delas era representada pela postura de Josué e Calebe, que defendiam a realidade espiritual, enquanto a outra era assumida pelos dez espias restantes, que argumentavam baseados na aparência natural (Nm 13 e 14). Seguir a aparência natural era raciocinar de maneira lógica, mas seguir a realidade espiritual era uma decisão de fé. Esta prova servia para mostrar-lhes que, antes de habitarem na Terra Prometida, eles precisavam optar por viver baseados em uma das duas dimensões. Enquanto povo do Senhor, deveriam se estabelecer alicerçados na realidade espiritual, para diferenciar-se dos outros que se apoiavam na aparência natural. Fé e obediência são indissociáveis.

Outro exemplo bastante elucidativo é o episódio em que o exército da Síria cerca o profeta Eliseu. Seu moço, Geazi, vê apenas a aparência natural e se desespera, mas Eliseu ora para que seus olhos sejam abertos à realidade espiritual, e o jovem, então, enxerga as milícias celestiais sujeitando o exército inimigo (2 Rs 6.15-19).

Portanto, a tão propagada expressão “o justo viverá pela fé” significa que para nos mantermos na dimensão da realidade espiritual é necessário um exercício constante de fé, sem o que recuaremos e deixaremos de desfrutar do prazer do Senhor em nossa alma. Os ensinamentos de Jesus, com o sermão do monte, só podem ser compreendidos corretamente se olhados a partir do ponto de vista da realidade espiritual. Por isso, os judeus religiosos, fincados na aparência natural, tinham tanta dificuldade, para não dizer impossibilidade de assimilá-los.

Um dos embates mais tensos de Jesus com os judeus religiosos está registrado no capítulo 8 do evangelho de João. Não é para menos, pois ali o Senhor denúncia com toda a clareza a estratégia de como Satanás, historicamente, tenta sobrepor aparência natural à realidade espiritual.

É o auge da discussão de Jesus com os judeus, logo após a Festa dos Tabernáculos. Eles já haviam estabelecido o propósito de matá-lo. Engendram então uma armadilha levando até ele a mulher pega em adultério para colocá-lo em cheque da maneira mais extrema possível diante da lei de Moisés. Pretendiam encontrar um pecado evidente em Jesus para desmascará-lo diante do povo a fim de que fosse tido como impostor e assim ter justificativas para executá-lo. Se simplesmente concordasse com a intenção deles, a mulher morreria apedrejada e Jesus, embora livrasse a sua própria pele, se tornaria como um deles. Se, numa tentativa de poupar a vida dela, se opusesse ao apedrejamento e, portanto, contra a lei de Moisés, daria margem para a sua própria execução. No entanto, a situação que eles armaram não serviu para evidenciar o pecado de Jesus como pretendiam, e sim o deles - a busca de um pretexto para matar Jesus.

Em meio a muitos argumentos, Jesus passa a mostrar-lhes que a morte é uma obra do diabo e eles estão se associando a ele ao demonstrarem tanta ansiedade por vê-lo morto. Alerta-os de que estão se baseando na mentira, que é uma das características mais notáveis do diabo (Jo 8.44)

O engano dos judeus está sutilmente fundamentado em premissas verdadeiras, pois eles eram naturalmente filhos de Abraão, a lei de Moisés, era um fato concreto e estavam num lugar sagrado, o que dava a aparência de agirem corretamente, mas encobria-lhes o principal: a necessidade de uma atitude correta de coração de que trata a realidade espiritual. Ora, a aparência é insuficiente para dar base a um julgamento (Jo 7.24), já alertara Jesus. Por isso eles foram induzidos a uma conclusão falsa de que poderiam matar Jesus sem necessidade de um julgamento legítimo, ou se assim o constituíssem seria apenas para formalizar e dar aparência de legalidade à sentença de morte que já estava estabelecida no coração deles (Jo 7.25). Por essa razão recriminaram Nicodemos quando este sugeriu um julgamento honesto (Jo 7.50-52). Frustradas as tentativas de prender Jesus (Jo 7.30; 8.20), cogitaram apedrejá-lo (Jo 8.59), talvez com as mesmas pedras não utilizadas anteriormente no julgamento que armaram usando a mulher adúltera como pretexto.

É necessário escolher: se pretendemos, de fato, viver em comunhão, precisamos estar na dimensão da realidade espiritual, o que nos levará a experimentar quão agradável é a vontade de Deus. Mas se nos mantivermos presos à aparência natural, tentaremos sempre buscar o melhor em nós mesmos. O resultado, nesse caso, não será outro senão tristeza e engano.

Usar a fé para trocarmos o nosso ponto de vista pelo de Deus é usá-la para agradar-Lhe, deixando de lado o pecado e prosseguindo em conhecer e executar o Seu propósito. Se a considerarmos um recurso para a manutenção de nossa fidelidade, vamos descobrir que não devemos ter receio em viver segundo a vontade de Deus, pois ela é, de fato, infinitamente superior à nossa e sem concorrentes no que diz respeito a nos satisfazer plenamente. Vamos descobrir, como diz o salmista, que nossa felicidade é andar nos caminhos do Senhor, ansiar por Seus mandamentos e por Sua lei, desejar os Seus estatutos e desfrutar do prazer da Sua palavra.

Quando esse for o nosso sentimento a respeito da vontade do Senhor, saberemos que, pela fé, aprendemos a ver do ponto de vista dEle. Passaremos a ver a realidade espiritual que é invisível aos olhos naturais. É nessa dimensão que se experimenta a comunhão. Assim como pelo pecado o homem foi transferido para a dimensão da aparência natural, pela fé podemos ser restaurados à dimensão da realidade espiritual da comunhão.

Autor: Pedro Arruda
Extraído do livro, A Comunhão Nossa de Cada Dia

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